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domingo, novembro 19, 2006

Madonna e o menino

Em Outubro, centenas de milhões de pessoas de todo o mundo foram inteiradas da existência de um menino do Malawi, de um ano, chamado David. Muitas dessas pessoas nunca tinham ouvido falar do seu país natal, dessa nação africana, sem litoral, de uns 13 milhões de habitantes, entre Moçambique, a Tanzânia e a Zâmbia. De repente, David passou a ser o malauiano mais famoso do mundo, porque teve a sorte de ser adoptado pela Madonna. Mas... será que teve mesmo sorte? O pai de David afirma não ter percebido que o seu filho deixou de lhe pertencer e que nunca mais poderá voltar a vê-lo no Malawi. Madonna diz que não foi isso que ele lhe disse antes. Foi quanto bastou para que um grupo de defensores dos direitos humanos afluísse aos tribunais para exigir o regresso do menino.
A mãe de David morreu. O pai, um aldeão que cultiva legumes, não podia tomar conta dele e meteu-o num orfanato, onde coabitava com mais outras 500 crianças. O país tem um milhão de órfãos, devido, em grande parte, à epidemia da sida. Os recursos dos orfanatos são limitados e muitas das crianças que neles vivem não chegam a atingir a idade de cinco anos. Madonna diz que, quando conheceu David, ele tinha uma grave pneumonia. O Malawi é um dos países mais pobres do mundo, com um índice de mortalidade infantil de 94 por mil, uma esperança de vida ao nascer de 41 anos e em que um em cada sete adultos estão infectados com o HIV. Se tivesse ficado no orfanato, David não teria provavelmente sobrevivido. O próprio pai de David não nega que o filho estaria muito melhor com Madonna e negou-se a apoiar os activistas pró-direitos humanos que tentam fazê-lo regressar.
David ficará pois afastado das suas raízes culturais. E, mesmo que Madonna lhe tenha dito que voltará com ele ao Malawi para visitar o pai, não poderá nunca sentir-se em casa. A sua língua será o inglês e, se aprender a língua do pai, falará sempre com ele como um estrangeiro. Não obstante, também em Londres, nos círculos em que se move Madonna, será sempre “o órfão negro que a Madonna adoptou”, muito embora as dificuldades de uma vida em tais circunstâncias sejam muito menos desanimadoras que os riscos a que estaria exposto se tivesse ficado no orfanato,... caso tivesse sobrevivido.
Mas, o caso de David coloca uma outra questão muito mais ampla: Ao adoptar uma criança de um país pobre, Madonna segue o exemplo de outras celebridades, como Mia Farrow, Ewan McGregor e Angelina Jolie. Serão essas adopções apenas destinadas a ajudar as crianças adoptadas?
A adopção de crianças de países em vias de desenvolvimento não é suficiente para abordar a questão da pobreza. A glória de Madonna não se limita à adopção de uma criança. O seu projecto Raising Malawi poderá servir para ajudar outros órfãos. Juntamente com Angelina Jolie, Bono, George Soros e muitos outros, Raising Malawi presta ajuda à Millennium Promise, organização fundada pelo destacado economista da Universidade de Columbia, Jeffrey Sachs.
Há muitas dúvidas sobre o facto de que esta assistência estrangeira seja realmente útil. A Millennium Promise pretende responder a esse cepticismo numa aldeia de cada vez. Ao seleccionar aldeias pontuais para aí prestar assistência básica de saúde, camas com mosquiteiros para suster o paludismo, ensino primário, melhores sementes e outras formas de ajuda agrícola, a organização aspira a demonstrar que planos de ajuda amplos e bem concebidos podem tirar as pessoas da pobreza com um custo relativamente modesto.
Só é lamentável ― talvez porque são cada vez menos as pessoas que acreditam no Pai Natal ― que os meios de comunicação pareçam cada vez menos interessados nesta história emocionante e transcendental, que pode ajudar milhões de crianças ― os jornais portugueses nem sequer se deram ao luxo de publicar este texto do Project Syndicate ― muito mais abrangente do que o simples facto da adopção de um menino por Madonna.

:: enviado por JAM :: 11/19/2006 03:12:00 da tarde :: início ::
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