BRITEIROS: Constituição Europeia - Sim ou Não ? <$BlogRSDUrl$>








sexta-feira, abril 29, 2005

Constituição Europeia - Sim ou Não ?



Há cerca de três anos, mais ou menos no final dos trabalhos da Convenção sobre o Futuro da Europa, uma funcionária/quadro superior da União Europeia (UE) perguntava-me o que é que eu pensava da Constituição Europeia. Disse-lhe a verdade : que tinha ouvido falar vagamente do projecto; que sabia que algumas pessoas se reuniam em Bruxelas para fazer uma Constituição; que sabia ser o Sr. Valérie Giscard d’Estaing que presidia às reuniões – aproveitando a ocasião para dizer todo o mal que pensava, e penso, do Sr. D’Estaing -; que a imprensa não dizia grande coisa sobre o assunto; e que não era assim que se fazia uma Constituição. Fui imediatamente apelidado de eurocéptico, de ser contra a Europa (!?) e americanista (!?). Carimbado e enviado para o caixote dos casos desesperados. Tive logo o pressentimento de que a minha cotação junto do funcionalismo UE tinha baixado drasticamente (paciência) mas, por delicadeza, guardei para mim a resposta que a senhora merecia.
Este episódio veio-me à memória agora que a discussão sobre a ratificação começa (felizmente) a interessar-nos. E recordei-me porque o que pensava ser um episódio isolado de “snobismo” do euro-funcionalismo – que, ao fim e ao cabo, defendem os seus interesses - se veio a revelar uma posição mais geral da classe política, estupefacta perante o facto de os imbecis a que chamam “povo” não compreendem o “bem” que lhe querem fazer e em que a argumentação a favor mais escutada, gira à volta de conceitos tão precisos como “não tenham medo” ou “será uma desgraça”. Aliás, nem se percebe bem porque é que nos fazem a pergunta, se o Sim é a única resposta autorizada.

Não me considero propriamente um eurocéptico. Não sou um descrente em tudo o que vem da UE e muito menos sou contra a sua existência. Uma certa garantia de tranquilidade na Europa, o Euro, a livre circulação, são factos de que beneficio todos os dias e que penso se devem manter. Isto não significa, evidentemente, que tenha que aceitar passiva e acríticamente tudo o que venha da UE, por muito que nos seja apresentado como um enorme avanço no processo de integração europeia e mesmo que o clima seja de unanimismo por parte da classe política.
Pode ser que esta discussão nem sequer seja necessária. Basta que os franceses acabem já com a Constituição no dia 29 de Maio, votando “Não” no referendo. Entretanto, a Hungria, a Letónia, Eslovénia e a Grécia já a aprovaram nos respectivos parlamentos, perante indiferença geral dos cidadãos. A Espanha aprovou-a em referendo com 60% de abstenção. Em Portugal, em linha com o habitual desprezo com que tratamos estes assuntos da Europa (afinal de contas o que nos interessa mesmo é só o dinheiro da UE), ainda não se sabe quando será o referendo e se irá à boleia de outra eleição.
Todavia, como nestas coisas da Europa, a tendência é para repetir votações até que o resultado seja aquele que já tinha sido decidido, desconfio que o “Não” de um só país não signifique o fim do debate e que ainda vamos ouvir falar desta Constituição durante algum tempo.

Embora não me pareça que seja importante, neste momento, ter ou não ter uma Constituição Europeia, a forma como foi elaborada e a maneira como nos querem impô-la leva-me a desconfiar da bondade da dádiva. Por isso resolvi perder algum do meu tempo e ler o documento que é suposto aprovarmos sem refilar e que tanto de bom virá trazer à Europa. Podem encontrar aqui as minhas conclusões. Dado o gigantismo da coisa (465 páginas, mais os anexos – que não li na totalidade) serão publicadas por capítulos, a começar pela génese.
Para quem não tenha essa paciência, eu resumo: esta Constituição é má, um texto incrivelmente complexo e de difícil interpretação, direitos fundamentais que não o são, o mercado como o valor mais sagrado a defender e uma obsessão quase doentia pelo detalhe (Aliás percebo agora porque é que Deus não está na Constituição. Não é necessário. Tal como Ele, a Constituição está em toda a parte) .

Pessoalmente, até considero que a Europa necessitará um dia de uma Constituição. Mas uma Constituição decidida de forma democrática pelos cidadãos da União, com representantes eleitos para o efeito a nível europeu, por partidos políticos europeus e organizações sociais europeias. A integração europeia e a consequente transferência de soberania só terá sentido e só será possível se for democrática. Como não nos é perguntado se concordamos com uma Constituição Europeia em abstracto, mas se estamos de acordo com esta Constituição em concreto, a minha resposta será Não. Mais, o que está em causa neste debate não é apenas a aprovação de um texto definindo princípios gerais e direitos mas, sobretudo, se estamos de acordo ou não com uma concepção da UE em que as decisões económicas são ditadas por um Banco Central independente do poder político, o conceito de serviço público decidido por tecnocratas em Bruxelas, a lei do mercado como valor a sobrepor-se a todos os outros valores e uma participação política dos cidadãos diluída em complexos mecanismos de tomada de decisão.
Se estiverem de acordo votem “Sim”. Eu não estou e votarei “Não”, com a certeza de que, se esta Constituição não for aprovada, a Europa continuará a existir.


:: enviado por U18 Team :: 4/29/2005 02:13:00 da tarde :: início ::
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