quinta-feira, outubro 20, 2005
O velho senhor
As câmaras de televisão estão colocadas de forma a que não se possa ver o conjunto do dispositivo militar e judicial. O presidente do tribunal, visivelmente satisfeito com a sua cadeira rotativa que ele não pára de girar, pede ao réu que se identifique. O velho senhor, barbudo e emagrecido, recusa:
– “Não te reconheço, nem a ti, nem ao tribunal a que presides. Também não reconheço a agressão contra o Iraque e conservo o meu direito constitucional, como presidente do Iraque, a não responder às tuas perguntas, pois o que é construído sobre o vazio é vazio”. O presidente insiste: “Senhor Saddam, por enquanto nós só pretendemos que se identifique”.
Contrariamente ao presidente, o velho senhor não parece nada satisfeito. Tem mesmo um ar obstinado. Não quer dizer, nem como se chama, nem qual é a sua profissão.
– “Estou aqui, neste edifício militar, desde as duas e meia da manhã”, diz ele.
O presidente, contrariado, propõe-lhe que se sente. O que o velho senhor igualmente recusa:
– “Não se trata de fadiga. Tu és iraquiano. Tu conheces-me. Eu tenho muita paciência. E os iraquianos sabem que eu sou infatigável”.
É verdade. Ele era infatigável. Implacável, carrasco mesmo. Tu cá tu lá com a tortura e os gases tóxicos. O pelotão de execução era a sua especialidade. De preferência sem julgamento...
Para os mais distraídos, o velho senhor é Saddam Hussein. O presidente é um curdo, escolhido pela CIA e, embora não pareça, estamos perante um julgamento. A pena prevista para os crimes do antigo “rahis” é a pena de morte. Tal como para os outros sete acusados. O “tribunal” reúne-se em Bagdade, num enclave americano, protegido pelo exército americano, com juizes seleccionados pela agência central de informações americana. É, de facto, um tribunal muito “especial”. Tirando isso, os juizes são admiráveis, íntegros e dedicados. Já o eram em relação a Saddam. Continuam a sê-lo, agora em relação aos novos mestres. Alguns foram reeducados à pressa em Inglaterra. Outros não. Mas, no fundo, estamo-nos nas tintas. Tanto faz. Não é isso que interessa.
A mesma cena passava em todas as televisões do mundo. Os militares americanos não se contentavam em censurar as imagens, transmitindo, com um ligeiro atraso de 20 ou 30 minutos, o que lhes convinha. Mais do que isso, os militares americanos produziam e realizavam uma super emissão única no seu género. O processo, em mundovisão, de um ditador sanguinário e dos seus antigos altos funcionários. Todos eles iraquianos. Mas o processo é dos militares americanos.
Pobres militares! Não estão preparados para isto. Para a censura, quanto muito. Mas para toda esta super produção?... O velho senhor vai conseguir dar-lhes cabo do juízo!
(A ver vamos, em 28 de Novembro...)
:: enviado por JAM :: 10/20/2005 09:43:00 da tarde :: início ::