segunda-feira, dezembro 18, 2006
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in http://avido2textos.blogspot.com/2006/12/esquerda-moderna-e-os-tempos-modernos.html A esquerda moderna e os tempos modernos
Santana Castilho
Antes das eleições que lhe deram a maioria absoluta, Sócrates foi questionado sobre a eventual subida do IVA. Respondeu que não perdia tempo com boatos e lembrou que quem havia subido o IVA havia sido o PSD. Mal chegou ao Governo, subiu o IVA.
A bandeira das SCUT foi demasiado agitada por Sócrates para passar de fininho. Em campanha disse branco, no Governo fez preto.
A prioridade de Sócrates, em campanha, eram os idosos. A medida de Sócrates, primeiro-ministro, foi pôr 400.000 mil reformados a pagar mais IRS.
Sócrates na oposição gritou aos quatro ventos que o investimento na saúde era prioritário para o PS. Sócrates, no Governo, disciplinou a hipocondria dos súbditos com a moderação das taxas e rapou do orçamento 0,4 por cento. Ouve o que eu digo, não ligues ao que eu faço!
Sócrates, antes de ser eleito, censurou com denodo o PSD. O PSD tinha feito crescer o desemprego de 4,2 para 6,8 por cento. Sócrates mandou escrever no programa com que se candidatou que o objectivo era recuperar os 150.000 empregos que o PSD tinha perdido. Hoje temos oito por cento de desempregados e as projecções dizem que o número continuará a subir.
Sócrates, tribuno, castigou-nos os ouvidos com a ladainha da prioridade das prioridades para a qualificação dos portugueses. Sócrates, único, tesourou a educação básica e secundária com uma redução orçamental de 4,2 por cento e a superior, certamente por ser superior, com 8,2.
Sócrates, comentador televisivo, teve e usou liberdade de criação.
Sócrates, legislador, propõe que os jornalistas não se possam opor a que nas suas obras sejam introduzidas modificações por parte dos respectivos superiores hierárquicos e que os patrões as possam usar fora dos contextos para que foram produzidas.
Sócrates, no oásis das promessas de campanha, fixou como meta outorgar à cultura um por cento do Orçamento do Estado. Sócrates, no deserto economicista do Governo, cortou 7 por cento do respectivo orçamento e transformou o um por cento da meta nos miseráveis e vergonhosos 0,1 por cento do PIB.
Não sei se Sócrates, na oposição, teve tempo para assistir a um simples concerto de pífaro. Mas sei que Sócrates, no Governo, assassinou a Festa da Música.
Quem é afinal este Sócrates? É, pelo menos, um homem de sorte: foi eleito primeiro-ministro, com maioria absoluta, porque estava no sitio certo quando uns fugiram e outros caíram; conseguiu sem esforço o sonho de Sá Carneiro, numa versão moderna da alegoria de "Dupond et Dupont"; é pai da "esquerda moderna" portuguesa; e acaba de ver o país que governa guindado à invejável 19.ª posição das democracias plenas, extraídas do escrutínio de 167 países.
Sinais dos tempos modernos, a que definitivamente não quero pertencer, e da democracia ocidental em que não me revejo.
Em nome da sacrossanta economia de mercado, essa tal "esquerda moderna" vai transformando-nos numa sociedade de mercado. Mixórdias de pensamento e processos, desde que encomendadas em outsourcing ou vindas de fora, impõem-se irremediavelmente e são pagas a ouro, que para tal não há crise. A onda chegou ao ensino superior.
Dois relatórios de dois estudos encomendados a duas instituições (ENQA e OCDE) poderiam bem ser dispensados. Tudo o que dizem, com utilidade, já se conhecia. Muito do que propõem é disparate e resulta da ignorância que têm sobre um país que avaliam com sobranceria. A ENQA conduziu o processo de forma lamentável e adoptou práticas fortemente incorrectas. A OCDE já cansa.
Se muito tem de aceitável, muito tem de questionável. Não esconde que está ao serviço da globalização económica e que as suas recomendações (que são sempre as mesmas) subordinam-se ao que considera serem as exigências da economia de mercado.
Recordam-se da chamada directiva Bolkenstein, por enquanto abandonada, segundo a qual os trabalhadores do espaço europeu seriam pagos nos países da prestação do trabalho segundo os valores praticados no país de origem (um canalizador suíço e um canalizador polaco, ambos a trabalhar na Suíça e a fazer exactamente a mesma coisa, poderiam ganhar 20 o primeiro e 2 o segundo)? A OCDE aplaudia! Têm presente o CPE de Villepin (tratamento completamente desregulado dos jovens à procura do primeiro emprego) retirado por força da indignação que suscitou? A OCDE defendia-o com paixão!
Vejo com lástima Mariano Gago associado a este novo-riquismo e complacente com humilhações públicas gratuitas e dispensáveis.
Professor do ensino superior
Santana Castilho
Antes das eleições que lhe deram a maioria absoluta, Sócrates foi questionado sobre a eventual subida do IVA. Respondeu que não perdia tempo com boatos e lembrou que quem havia subido o IVA havia sido o PSD. Mal chegou ao Governo, subiu o IVA.
A bandeira das SCUT foi demasiado agitada por Sócrates para passar de fininho. Em campanha disse branco, no Governo fez preto.
A prioridade de Sócrates, em campanha, eram os idosos. A medida de Sócrates, primeiro-ministro, foi pôr 400.000 mil reformados a pagar mais IRS.
Sócrates na oposição gritou aos quatro ventos que o investimento na saúde era prioritário para o PS. Sócrates, no Governo, disciplinou a hipocondria dos súbditos com a moderação das taxas e rapou do orçamento 0,4 por cento. Ouve o que eu digo, não ligues ao que eu faço!
Sócrates, antes de ser eleito, censurou com denodo o PSD. O PSD tinha feito crescer o desemprego de 4,2 para 6,8 por cento. Sócrates mandou escrever no programa com que se candidatou que o objectivo era recuperar os 150.000 empregos que o PSD tinha perdido. Hoje temos oito por cento de desempregados e as projecções dizem que o número continuará a subir.
Sócrates, tribuno, castigou-nos os ouvidos com a ladainha da prioridade das prioridades para a qualificação dos portugueses. Sócrates, único, tesourou a educação básica e secundária com uma redução orçamental de 4,2 por cento e a superior, certamente por ser superior, com 8,2.
Sócrates, comentador televisivo, teve e usou liberdade de criação.
Sócrates, legislador, propõe que os jornalistas não se possam opor a que nas suas obras sejam introduzidas modificações por parte dos respectivos superiores hierárquicos e que os patrões as possam usar fora dos contextos para que foram produzidas.
Sócrates, no oásis das promessas de campanha, fixou como meta outorgar à cultura um por cento do Orçamento do Estado. Sócrates, no deserto economicista do Governo, cortou 7 por cento do respectivo orçamento e transformou o um por cento da meta nos miseráveis e vergonhosos 0,1 por cento do PIB.
Não sei se Sócrates, na oposição, teve tempo para assistir a um simples concerto de pífaro. Mas sei que Sócrates, no Governo, assassinou a Festa da Música.
Quem é afinal este Sócrates? É, pelo menos, um homem de sorte: foi eleito primeiro-ministro, com maioria absoluta, porque estava no sitio certo quando uns fugiram e outros caíram; conseguiu sem esforço o sonho de Sá Carneiro, numa versão moderna da alegoria de "Dupond et Dupont"; é pai da "esquerda moderna" portuguesa; e acaba de ver o país que governa guindado à invejável 19.ª posição das democracias plenas, extraídas do escrutínio de 167 países.
Sinais dos tempos modernos, a que definitivamente não quero pertencer, e da democracia ocidental em que não me revejo.
Em nome da sacrossanta economia de mercado, essa tal "esquerda moderna" vai transformando-nos numa sociedade de mercado. Mixórdias de pensamento e processos, desde que encomendadas em outsourcing ou vindas de fora, impõem-se irremediavelmente e são pagas a ouro, que para tal não há crise. A onda chegou ao ensino superior.
Dois relatórios de dois estudos encomendados a duas instituições (ENQA e OCDE) poderiam bem ser dispensados. Tudo o que dizem, com utilidade, já se conhecia. Muito do que propõem é disparate e resulta da ignorância que têm sobre um país que avaliam com sobranceria. A ENQA conduziu o processo de forma lamentável e adoptou práticas fortemente incorrectas. A OCDE já cansa.
Se muito tem de aceitável, muito tem de questionável. Não esconde que está ao serviço da globalização económica e que as suas recomendações (que são sempre as mesmas) subordinam-se ao que considera serem as exigências da economia de mercado.
Recordam-se da chamada directiva Bolkenstein, por enquanto abandonada, segundo a qual os trabalhadores do espaço europeu seriam pagos nos países da prestação do trabalho segundo os valores praticados no país de origem (um canalizador suíço e um canalizador polaco, ambos a trabalhar na Suíça e a fazer exactamente a mesma coisa, poderiam ganhar 20 o primeiro e 2 o segundo)? A OCDE aplaudia! Têm presente o CPE de Villepin (tratamento completamente desregulado dos jovens à procura do primeiro emprego) retirado por força da indignação que suscitou? A OCDE defendia-o com paixão!
Vejo com lástima Mariano Gago associado a este novo-riquismo e complacente com humilhações públicas gratuitas e dispensáveis.
Professor do ensino superior
:: enviado por RC :: 12/18/2006 07:49:00 da tarde :: início ::