BRITEIROS: Quais são as alternativas à incineração? <$BlogRSDUrl$>








quarta-feira, janeiro 19, 2005

Quais são as alternativas à incineração?

Um comentário de um leitor não identificado, faz uma prelecção em defesa das vantagens do processo de co-incineração e pergunta-me quais são as alternativas? Como a resposta se presta ao debate, resolvi dá-la em forma de post.

O que me parece falacioso é adoptar a posição da avestruz e pretender ignorar, ou pior ainda, negar a elevada perigosidade da incineração dos resíduos industriais, quer pela sua incontrolabilidade (impossibilidade de controlar o tipo e quantidade de compostos emitidos), quer pela emissão de dioxinas e compostos de metais pesados, que ainda ninguém (incluindo José Sócrates) conseguiu negar.
É evidente que quando se pensa em alternativas, os primeiros procedimentos a pôr em prática deverão ser a redução e a reciclagem. A alternativa ideal é não se produzir esses resíduos! (isto é, incentivar a não-produção de resíduos perigosos, taxar a sua produção, negociar e impor metas claras de redução, incentivar a mudança para melhores processos de fabrico, melhorar a eficácia desses processos, incentivar a substituição para produtos menos perigosos, etc.). A alternativa semi-sustentável é deixar de considerar os resíduos como “lixos”, e incentivar a sua reutilização e/ou reciclagem noutros processos industriais. Estou certo que estas alternativas existem na Alemanha e em França, mas vão certamente demorar muito tempo a introduzir nas nossas mentalidades do tipo “depois logo se vê”.
Um exemplo de resíduos hoje propostos para a co-incineração, entre nós, são os óleos usados e os solventes de má qualidade, misturados com outras substâncias resultantes da má gestão por parte das empresas. Ora, os óleos usados e os solventes são passíveis de reciclagem. Há já exemplos desse tipo de reciclagem, um dos quais existe, há cerca de oito anos, na região de Pombal.
No que diz respeito às lamas orgânicas contendo hidrocarbonetos (uma fracção muito importante dos nossos resíduos perigosos), um estudo da Quercus avançou com um sistema automático de limpeza dos tanques de crude nas refinarias, permitindo o seu reaproveitamento como crude e a redução do volume de resíduos a incinerar.
Outra questão importante é fazer o inventário dos resíduos industriais perigosos produzidos no país. Sem isso, é impossível melhorar a gestão dos resíduos. Existem muitas empresas que declaram mal, ou não declaram, os seus resíduos. Há sectores, como as oficinas mecânicas e os portos, que não são obrigados a declarar ou registar os seus resíduos.
Para quem tiver a paciência para ler as 44 páginas em inglês da acta final da conferência da Convenção de Estocolmo, aqui fica o respectivo link. A co-incineração de resíduos perigosos em cimenteiras está explicitamente consignada nesta Convenção, como uma actividade a ser eliminada (Anexo C, página 37).
É pois todo este debate que, neste momento, se pede a José Sócrates. Os testes feitos em 2001 foram precipitados e manipulados e a independência da Comissão Científica Independente foi muito duvidosa. Os resíduos industriais perigosos, altamente caloríficos, tornam a co-incineração imensamente vantajosa para as cimenteiras. Por isso, Sócrates vai ter que se demarcar inequivocamente destes interesses.
Em resumo, falar em alternativas, é falar de tudo isto, desenvolvidamente, e é evidente, por todas estas problemáticas, que a solução deverá envolver estudos aprofundados, adaptados ao caso português (e não só a Souselas), feitos por especialistas e devidamente sintetizados em dossiers técnicos que, como é óbvio, ultrapassam as pretensões de um blogue sem fins lucrativos.

Deixem-me, no entanto, acrescentar que nem tudo o que se faz em França e na Alemanha é bom e que não é por estes dois países terem centrais nucleares, que Portugal se deve precipitar e instalar igualmente este tipo de produção de energia entre nós. Para além disso, como demonstra a posição clara e inequívoca do cabeça de lista do PS por Leiria, ninguém quer a co-incineração no seu quintal, em frente da sua porta. Se esta questão se resolvesse com egoísmos irresponsáveis, eu poderia também propor a construção de uma cimenteira ultramoderna e tecnicamente sofisticada (se procurarmos bem nos States, deve existir!!!) numa região menos populada do país (por exemplo, no distrito de Castelo Branco), em lugar da (ainda) ecológica e fortemente povoada região de Coimbra, em que a mais poluidora das indústrias existentes é a famosa, e já bastante super-poluente, cimenteira da Cimpor.
Voltaremos, certamente, a este assunto.

Adenda
Saiba o que são os CIRVER.

:: enviado por JAM :: 1/19/2005 07:32:00 da tarde :: início ::
6 comentário(s):
  • Porque me parece uma contribuição interessante para o debate, sobretudo porque indica casos concretos e experiências alternativas (entre as quais é de destacar o caso de Barcelona que terá abandonado a intenção de praticar a co-incineração), vale a pena reproduzir aqui este comentário ao post original, apesar de ser em inglês:

    Co-incineration now has to follow strict rules. If somebody wants to co-incinerate he has to apply strict rules on emissions, which renders the project less profitable. The possibility to do business with it behind curtains has disappeared.
    In the field of combustion technologies they have tried to develop the gasification technology, which has been a failure. There has been a project in Germany promoted by Siemens, which was cancelled following an accident, which sent about 60 persons to the hospital. The project had already many technical problems and big delays. I do not know if there has had further developments.
    The only real alternative to combustion technologies that I know is organic digestion. It is a cold oxidation of the organic matter components of waste made by bakeries; usually beforehand you should do sorting to improve recycling and to remove inert or non-desired material from the digestion process.
    Barcelona moved in this line after abandoning big plans for incineration. I do not know which has been the result, if you get to know please tell me.
    Regards

    De Blogger JAM, em janeiro 20, 2005 2:18 da tarde  
  • Caro Amigo,

    Felicito-o pela importância que deu ao meu comentário. Também eu gostaria de viver num mundo em que não seriam produzidos resíduos perigosos, mas isso é uma utopia.

    Quanto à elevada perigosidade da incineração dos resíduos industriais, isso é falacioso, pois a co-incineração está perfeitamente regulamentada por normas comunitárias que limitam brutalmente a quantidade de dioxinas e compostos de metais pesados emitidos para a atmosfera. Obviamente, a qualidade do ar é controlada continuamente de modo a vigiar o funcionamento das incineradoras. Já vi um estudo que demonstrava cabalmente que era milhares de vezes mais perigoso para a saúde frequentar locais onde existiam fumadores que viver nas proximidades de uma incineradora. Aliás, é ridículo como muitas pessoas que são contra a co-incineração são fumadores...

    Quanto à reciclagem, redução e reutilização: é óbvio que devem ser usadas até à exaustão. No entanto, mesmo que estas técnicas sejam usadas ao máximo, continuam a existir milhares de toneladas de resíduos perigosos que não podem ser reciclados e/ou reutilizados.

    Então o que fazer a estes resíduos? Se arranjar uma alternatica melhor que a co-incineração, diga... e avise os Países do norte da Europa :)

    De Anonymous Anónimo, em janeiro 20, 2005 11:25 da tarde  
  • Pois é, estive a ver a Pág. 37 do referido documento e ele não diz que "A co-incineração de resíduos perigosos em cimenteiras está explicitamente consignada nesta Convenção, como uma actividade a ser eliminada ".

    Lamento, mas a única coisa que é dita é que a co-incineração, tal como muitas outras actividades incluindo as lareiras domésticas, tem o potencial para gerar produtos químicos perigosos.

    Passo a transcrever a Pag. 37:

    The following industrial source categories have the potential for comparatively high formation and release of these chemicals to the
    environment:
    (a) Waste incinerators, including co-incinerators of municipal, hazardous or medical waste or of
    sewage sludge;
    (b) Cement kilns firing hazardous waste;
    (c) Production of pulp using elemental chlorine or chemicals generating elemental chlorine for
    bleaching;
    (d) The following thermal processes in the metallurgical industry:
    (i) Secondary copper production;
    (ii) Sinter plants in the iron and steel industry;
    (iii) Secondary aluminium production;
    (iv) Secondary zinc production.
    Part III: Source categories
    Polychlorinated dibenzo-p-dioxins and dibenzofurans, hexachlorobenzene and polychlorinated
    biphenyls may also be unintentionally formed and released from the following source categories, including:
    (a) Open burning of waste, including burning of landfill sites;
    (b) Thermal processes in the metallurgical industry not mentioned in Part II;
    (c) Residential combustion sources;
    (d) Fossil fuel-fired utility and industrial boilers;
    (e) Firing installations for wood and other biomass fuels;

    De Anonymous Anónimo, em janeiro 21, 2005 1:34 da manhã  
  • Caro anónimo,

    Não precisa de me agradecer pela importância que dei ao seu comentário. O assunto, em si, é importante e penso que haveriam muitos leitores de boa fé que teriam em mente as mesmas questões.

    Tal como o fumador é livre de envenenar o seu próprio corpo, também o adepto da co-incineração é livre de inalar os venenos perigosos que entender. O que nem um nem outro são livres é de envenenarem os outros. Ao contrário do fumo do tabaco, as dioxinas e os furanos não se vêem, nem sequer se conseguem medir convenientemente. Basta lembrarmo-nos do triste caso do envenenamento infligido ao recém-eleito presidente da Ucrânia com uma dose microscopicamente pequena de dioxinas.
    Eu apostaria em como Portugal, no dia em que se começarem a incinerar os resíduos industriais perigosos, não vai mais pensar em recolhas selectivas de lixos, nem em reciclagem. Já hoje se pensa tão pouco nisso, ao contrário dos exemplares países do Norte da Europa em que, como toda a gente sabe, as populações em geral e as empresas poluidoras, em particular, cumprem escrupulosamente a separação dos resíduos. É que há multas pesadíssimas para quem o não fizer.
    Agora aqui em Portugal, qual é a percentagem das pessoas que separam o papel e o vidro do resto dos lixos? Qual é a percentagem de pessoas que não deitam papeis para o chão? Qual é a percentagem de indústrias que não despejam os seus efluentes tóxicos no rio ou na ribeira mais próximos?
    A co-incineração vai desactivar, paralisar, neutralizar, ainda mais, toda e qualquer campanha de sensibilização sobre os cuidados a ter com os lixos. Mais, deixa de fazer sentido melhorar a reciclagem, a reutilização e a separação quando começarmos a incinerar. Pelo contrário, nessa altura, quanto mais lixos para lá levarmos, mais rentável ela será. À incineração, para funcionar bem, não lhe bastam as lamas e as matérias orgânicas. Funciona muito melhor se para lá levarmos também o papel, o cartão, a madeira, os plásticos, etc. De alguma forma, terão que ser pagos rapidamente os investimentos feitos em lavadores de gases e filtros de mangas, que afinal não filtram tudo.
    Curiosa mentalidade, a de tantos portugueses. Passamos anos a dormir na forma, atrasados em relação ao resto do mundo, e quando acordamos, queremos fazer aquilo que os outros já fizeram e que procuram substituir porque não resolve o problema. Enquanto os outros procuram alternativas, nós avançamos com os erros dos outros. Como se isso nos permitisse recuperar o nosso atraso.
    Em todo o caso, as opiniões são livres... Assim como o medo.
    Sobretudo num país irresponsável.

    PS: Já agora, caro anónimo, sugeria-lhe que, em vista do seu entusiasmo, saísse do anonimato e criasse um blogue dedicado aos assuntos da co-incineração. A fazer fé na última sondagem da SIC/Expresso tem, no mínimo, 45% dos portugueses prontos a aplaudir as suas ideias.
    E agora, vou trabalhar, que já estou atrasado...

    De Blogger JAM, em janeiro 21, 2005 7:31 da manhã  
  • Partilho da sua desconfiança relativamente a algum relaxamento na reciclagem e reutilização caso a co-incineração seja implementada.

    Eu defendo a co-incineração, mas apenas dos materiais que sejam impossíveis de reciclar ou deixar de produzir. Estes materiais existem e vão continuar a existir. Ou pensa que tudo pode ser reciclado?

    Pensa que as fábricas de reciclagem de óleos usados não têm elas próprias resíduos impossíveis de reciclar? Então o que fazer a esses resíduos?A resposta a esta pergunta é que eu nunca ouvi aos que são contra a co-incineração. Pelos vistos preferem continuar na ilusão que tudo pode ser reciclado...

    De Anonymous Anónimo, em janeiro 24, 2005 4:22 da tarde  
  • Caro anónimo,

    Vou repetir-me ao dizer que a solução para os resíduos industriais perigosos passa pela minimização da sua produção e pela maximização da sua reutilização e valorização. Pelos vistos, estamos de acordo, mas não chega. Vai ter que se trabalhar para promover, em larga escala:

    1 – A construção de centrais de triagem selectiva de embalagens;
    2 – A construção de espaços para deposição de pneus para posterior reciclagem e recuperação;
    3 - A construção de estações de valorização orgânica para obtenção de compostos químicos e produção de energia.

    Tudo isto, implica criação de postos de trabalho.

    Para o resto dos resíduos industriais perigosos, existe de facto o tratamento térmico que pode ser feito através de incineração dedicada ou pela co-incineração, como quer o PS, mas que pode também ser feito através de métodos mais modernos como a pirólise, gaseificação ou tratamento plasmático. Se Portugal pretende apanhar o comboio da Europa, é nestas novas tecnologias que deverá basear os novos projectos em matéria de resíduos perigosos.

    Vão saber porque é que em Barcelona se abandonou a co-incineração. Apanhem o comboio com eles e vejam até onde vão. Não é a união que faz a força?

    Finalmente, vou também repetir-me, mas nunca é demais lembrar que segundo as opiniões dos especialistas, não existem sistemas de mensuração eficazes que permitam determinar as consequências da libertação de dioxinas para o ambiente e para a cadeia alimentar. E já agora, lembro também que as dioxinas, são descritas como os compostos químicos mais tóxicos produzidos pelo homem.

    De Blogger JAM, em janeiro 24, 2005 10:56 da tarde  
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