sábado, março 05, 2005
O pacto de estabilidade – um espinho no pé
São finalmente conhecidos os números franceses do défice público: 3,7 %, catastróficos, como se esperava, e muito acima dos limites autorizados pelas regras europeias, o que não deixará de relançar o espectro das eventuais sanções a aplicar aos gauleses.
O famoso pacto de estabilidade europeu assenta sobretudo sobre a política orçamental que, por sua vez, é estabelecida pelos governos e parlamentos nacionais. Duas regras são aplicadas neste domínio. A primeira prevê que os défices públicos do ano não devem ultrapassar 3 % do PIB. A segunda prevê que a dívida pública total (acumulada ao longo dos anos, por anteriores défices) não deve ultrapassar 60 % do PIB.
Não há nada de científico na escolha destes números. Porquê 3 % de défice e não 2 ou 4 por cento? Em última análise, poder-se-ia normalmente justificar – como é o caso em certos Estados americanos – que nenhum défice público fosse autorizado, o que fixaria o limite em zero por cento.
Mas o que é importante ter em conta é sobretudo que o sistema permite acabar com as políticas conjunturais de inspiração keynesiana que previam o crescimento do défice em período de recessão, para relançar a economia, e de o suprimir em período de inflação, para travar o excesso. Esta política (dita de “stop and go”) produziu, no passado, as piores catástrofes e agravou o desemprego e a inflação. Se as regras europeias servirem para acabar com este fenómeno, não obstante a sua arbitrariedade, tanto melhor.
O que é curioso é que estas regras foram adoptadas sob a pressão dos grandes países, como a França e a Alemanha, que obrigaram os pequenos a aplicá-las. Ora, logo em seguida, são precisamente estes dois países que tiveram maiores dificuldades para aplicar as regras, e que reclamam agora o seu abrandamento. Estranho paradoxo! Não só porque a França e a Alemanha depressa alcançaram os limites autorizados, mas, ainda por cima, porque os ultrapassaram, com défices da ordem dos 4% e um endividamento bastante superior a 60%.
PS: Pacheco Pereira, a propósito do cavaquismo, fala de uma governação liberal para a sociedade e keynesiana para o Estado (não, não é contraditório). Quererá isto dizer que um eventual regresso do cavaquismo poderia vir a ser o enfant terrible do pacto de estabilidade europeu?
:: enviado por JAM :: 3/05/2005 01:51:00 da tarde :: início ::