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quinta-feira, setembro 29, 2005

Citações

Entre Mário Soares e Cavaco Silva há uma diferença de idade, sem dúvida. Mas um homem que vai a caminho dos 70, como Cavaco Silva, quando havia o salazarismo já era bastante crescido. Será que, estudante de economia em Inglaterra, não se apercebeu que em Portugal havia uma ditadura? […] Cavaco Silva é um bom economista, não há dúvida. Dentro da linha da economia que pertence à sua visão do mundo, of course o neoliberalismo. Que não me parece propriamente o modelo económico mais favorável para os “pobres e remediados” [referência directa a este artigo de JPP].
Mas não era o Salazar, também ele, um entendido em Finanças, na linha da sua visão do mundo? A economia não é uma ciência objectiva como a química ou a física, é uma ciência humana. O Portugal salazarista era um país miserável, mas os indigentes (80% da população) tinham a satisfação de poder dizer que as moedas que mendigavam nas esquinas eram uma moeda forte. Não duvido que Cavaco Silva tenha estudado bem na Inglaterra da sua juventude. Mas tenho a impressão de que ele viveu os seus tempos estudantis ingleses como alguém que vinha da Bélgica ou da França, e não de um país totalitário. Faltava-lhe pois o que se chama “consciência política”. O que, para um político, é uma falta grave.
[…] O verdadeiro problema é a consciência da democracia, o que também significa memória da falta dela, pois sem memória da não-democracia não pode haver real e profunda consciência democrática. […] A economia é importante, não há dúvida. Mas a democracia é mais importante: a democracia não é a Bolsa, é a vida. Ora, para o cargo de Presidente da República, cuja tarefa é vigiar e proteger o sistema democrático e a sua Constituição, as competências económico-financeiras são dispensáveis.


Trechos de um artigo de opinião de Antonio Tabucchi.

:: enviado por JAM :: 9/29/2005 10:34:00 da manhã :: início ::
1 comentário(s):
  • O Sr Tabucchi nasceu em Pisa (Itália) em 1943, conhece Portugal desde os 22 anos e considera-o o seu “país de adopção”. Apaixonou-se por Portugal depois de ter lido o poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa. A sua admiração por Pessoa levou-o a aprender português e a tornar-se um dos maiores especialistas pessoanos da actualidade.
    António Tabucchi conheceu bem o regime salazarista. O seu romance “Afirma Pereira” inspirou-se num personagem real que conheceu em Paris nos anos 60: um jornalista português obrigado a exilar-se na capital francesa por ter publicado um artigo contra Salazar. Ao longo do romance, que se passa na Lisboa de 1938, o autor mostra as mudanças de comportamento do jornalista que trocou uma rotina medíocre por actos corajosos contra a ditadura, até morrer.
    Tabucchi costuma dizer que "o escritor deve ser chato e incómodo. Deve desassossegar a consciência das pessoas". Quando escreveu “Afirma Pereira”, embora a direita de Berlusconi ainda não estivesse no poder, já Tabucchi se apercebia do regresso dos nacionalismos, da xenofobia e do racismo.
    Agora, ao escrever sobre a falta de consciência política de Cavaco Silva, Tabucchi refere-se apenas à sua ausência de memória de ter vivido em ditadura, o que faz dele um subproduto da asfixia cultural salazarista.
    Estou de acordo com ele: só saber de economia é muito pouco para se ser um bom Presidente da República. Para isso, estão lá os ministros da Economia e Finanças.

    De Anonymous Anónimo, em setembro 30, 2005 9:40 da tarde  
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