sábado, julho 14, 2007
O escroque
Desde que esta história, tão odiosa como sinistra, foi encenada pelo tirano de Tripoli e pelos seus esbirros, esses indivíduos foram condenados à morte por duas vezes. A primeira foi em 2001. É fácil de presumir que, desde então, a respectiva saúde psicológica se tenha substancialmente deteriorado. É bom que se diga, uma vez mais, que nenhum deles fez nada de condenável, a não ser...
A não ser aos olhos de Kadafi e dos seus arremedos de justiça que são os magistrados do país. Esse bando de tristes jagunços garante que as búlgaras e o palestiniano inocularam o vírus da sida em 428 crianças com o objectivo de provocar uma epidemia. E isso, como é bom de ver, porque o Ocidente inteiro não tem outra ambição a não ser a destruição total da Líbia.
Desde o princípio desta história infernal engendrada pelo rei Ubu do Norte de África, inúmeros cientistas de renome internacional, entre os quais o professor Luc Montagnier — célebre porque foi ele quem descobriu o vírus da sida — fizeram investigações in loco, com o objectivo de detectarem a origem do flagelo. As conclusões de todos eles foram que a contaminação se deveu às más condições de higiene dos hospitais. Não havendo quaisquer dúvidas quanto ao rigor dos estudos levados a cabo por Montagnier e consortes, uma centena de prémios Nobel assinou uma petição para que os infelizes fossem libertados.
Mas Kadafi, na sua qualidade de “Guia da Revolução”, uma mistura de Mao e de Bokassa, é evidentemente infalível. Por isso, sempre se recusou a ouvir a voz da razão para melhor se assumir como promotor de uma tradição medieval que consiste em aplicar às vítimas o destino dos culpados. Para isso, as famílias das crianças — que, diga-se de passagem, foram (e são ainda) tratadas em Paris — exigiriam 13 milhões de dólares por cada doente. Ou seja, mais de cinco mil milhões no total.
Esta soma seria paga pela UE. Dizemos seria, porque Kadafi, com o seu humor reputadamente caprichoso, poderia ainda modificar alguns dos parâmetros negociados pelos europeus e pelo filho do coronel que, por acaso, tem a seu cargo a presidência da Fundação caritativa instituída para socorrer as famílias. Há quem diga — ou melhor murmure — que o déspota estaria também interessado no perdão da dívida que a Líbia contraiu com a Bulgária e ainda que os britânicos libertem o responsável pela explosão de um Boeing por cima de Lockerbie.
Segunda-feira saberemos qual será o veredicto do Conselho Superior das instâncias judiciais. Seja ele qual for, ao inventar toda esta nojenta ficção, Kadafi acrescentou já o posto de escroque ao seu currículo que tem tanto de abundante como de sangrento.
:: enviado por JAM :: 7/14/2007 09:57:00 da manhã ::
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