quinta-feira, maio 26, 2005
American Fruit Company...
“A fruta na América sabe sempre a cartolina. [...] Desorganiza-se-nos o eixo do mundo, porque, de repente, já não há um temps de cerises para se esperar ansiosamente. As cerises aparecem em Março com uma placa a dizer cherries e apetece usá-las como arma de arremesso. Fazer brincos com elas já seria uma grande heresia. [...] Estas frutas são todas mentira. Foram apuradas geneticamente [...] apanharam-nas ainda verdes para não se danificarem na armazenagem e no transporte e, depois, injectaram-nas com outra droga para que, por fora, pareçam maduras. Assim tratadas ficam rijas e ácidas [...] poliram-nas, protegeram-nas de vermes e insectos e de tudo. Não sabem a nada. [...] Lembro-me de ter havido um tempo em que eu comia frutas verdadeiras e, nessa altura, elas vinham de uma árvore chamada ameixoeira, da horta do meu avô [...] era um desvario amarelo e encarnado de abundância com rachas na pele e sumo quente a escorrer lá de dentro. [...] Sabiam a Verão, um sabor tão forte, tão pujante, tão cheio de coisas lá dentro. [...]”
Isto são fragmentos de um texto escrito, há uns anos, na Visão, pela Clara Pinto Correia (quando ela vivia e trabalhava nos Estados Unidos), e que eu guardei cá em casa por ter gostado muito dele (na altura, gostava muito de ler a Clara Pinto Correia).
Acontece que eu também tive um parente (um tio) que tinha ameixoeiras (entre outras árvores de fruta) e este texto evoca em mim precisamente as sensações felizes que experimentei, fruindo esses pequenos tesouros de um outro mundo que hoje está a desaparecer aos poucos na voragem deste sistema predador de que os States são o farol, o exemplo que nos propõem e/ou impõem seguir, o buraco negro que ameaça devorar tudo à sua volta.
Leia também a História duma salada de tomate.
:: enviado por Manolo :: 5/26/2005 03:48:00 da tarde :: início ::