quinta-feira, outubro 27, 2005
Algumas (des)considerações sobre a greve dos operadores de justiça
Antes de mais, um aviso à navegação: o meu voto não contribuiu para a actual maioria absoluta (nem para esta nem para as anteriores).
Posto isto, começo por lembrar que, em 1993, os juízes e os magistrados do Ministério Público fizeram uma greve pelo descongelamento dos seus salários, imposto 2 anos antes pelo governo de Cavaco Silva.
Hoje, constato, fazem greve contra o congelamento temporário da progressão nas carreiras e a reestruturação dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, medidas impostas pelo governo de José Sócrates.
Longe de mim contestar o direito que uns e outros têm de fazer greve contra o que acham injusto.
Mas gostaria de, pelo menos uma vez na vida, vê-los lutar por melhorar o estado a que chegou a nossa (salvo seja) Justiça, que está, notóriamente, cada vez mais cara, mais lenta, mais ineficaz, cada vez mais de classe.
Por outro lado, do ponto de vista dos utentes em geral, actualmente uma greve na Justiça portuguesa, não digo que faça rir, mas, pelo menos, não aquece nem arrefece: quem esperou/espera meses e anos por uma decisão dos tribunais, pode bem, nas calmas, aguardar mais um dia, dois ou três.
:: enviado por Manolo :: 10/27/2005 07:42:00 da tarde :: início ::
1 comentário(s):
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Acompanho sempre o Briteiros e concordo quase sempre com o que aqui se diz.De , em outubro 28, 2005 2:20 da tarde
Discordo no entanto com a opinião que sustenta acerca da justiça em Portugal. É importante dar conta que a lentidão do sistema de justiça em Portugal não se prende com incompetência ou negligência de magistrados ou operadores judiciais, mas antes com uma gritante falta de pessoal. Caso se quisesse ter uma justiça célere com o número actual de magistrados de serviço, seria necessário que cada um despachasse um número incrível de processos por dia, o que seria deveras penalizador para o cidadão em particular e para a prática da justiça em geral.
É necessário contratar mais juízes, mais delegados, mais procuradores e mais funcionários judiciais. Arrisco-me a dizer: muitos mais.
É necessário criar mais tribunais específicos e para pequenos delitos. Só as qequenas dívidas a companhias de telefone e TVcabo, por exemplo, entopem 50% da acção de qualquer tribunal comum.
É necessário dar mais condições de trabalho aos agentes de justiça e contrariar a ideia errada de que os magistrados são uns privilegiados. Há tribunais em que funcionários, magistrados e processos se amontoam em gabinetes exíguos, tectos a cair, falta de aquecimento, casas-de-banho miseráveis, falta de condições de arquivamento, deficientíssima rede informática, etc, etc, etc.
Vale a pena visitar um tribunal, ver as míseras condições de trabalho, ver o volume de trabalho que é exigido aos magistrados, ver o número de delegados e juízes que há para o despachar, fazer as contas e ver se é possível que um qualquer processo leve menos de cinco ou seis anos. O resultado é óbvio: é impossível. E já muito faz quem lá está.
Por outro lado, é apontado o dedo com frequência à lei portuguesa, que supostamente permite aos advogados colocar entraves ao funcionamento normal do processo por tudo e por nada, fazendo assim com que qualquer decisão leve anos e anos a ser tomada.
Ora, também desta última acusação discordo plenamente. Com efeito, este tipo de ferramenta legal existe para proteger o cidadão de abuso de poder. O facto de os advogados muitas vezes as usarem para outro tipo de intenções não deverá servir de justificação para que sejam eliminadas. O direito a recurso a uma instância superior, por exemplo, é a causa principal dos atrasos na resolução de processos, mas é também um direito inalienável e que deve ser mantido intocável em qualquer circunstância. Julgo que concordará...
Volto a insistir. O grande problema é político e reside na infeliz doutrina actual do "Menos estado" ou "Estado apenas regulador" ou "Função pública menos pesada" ou "Menos pessoal", ou qualquer outro disparate deste calibre. É importante contratar mais funcionários públicos para o sistema judicial. Volto a dizer... muitos mais.
Resta-me apenas dizer que não sou magistrado, nem funcionário de tribunal, nem oficial de justiça, nem advogado, nem nada que tenha que ver com os tribunais.