quarta-feira, novembro 30, 2005
O retrato de Oscar Wilde
Irlandês supersticioso, Oscar Wilde foi sempre assaltado pelo sentimento da fatalidade, que perpassa como filigrana através de todas as suas obras, como se tivesse pressentido que o seu destino não seria uma comédia mas sim um drama. Certo dia, um adivinho predisse-lhe a glória, seguida do desastre. Ele acreditou. A semelhança das trajectórias do artista Basil Hallward, personagem do livro “O Retrato de Dorian Gray”, e do seu criador, ambos esmagados pelas suas paixões, é um dos elementos mais perturbadores da biografia do escritor, que muito ajudou à sua mitificação.
Wilde não foi nem uma vítima de uma sociedade rígida, nem um militante homossexual perseguido pelas suas ideias. A sociedade vitoriana, impiedosa mas hipócrita, tolerava todos os escândalos, na condição de ficarem na sombra. Wilde sabia perfeitamente até onde podia ir. Nos seus livros, a homossexualidade permanece subentendida – os juizes abandonarão, aliás, esse lado da questão – e, em público, escusava-se a falar de uma vida privada demasiado agitada.
Nas palavras de Albert Camus, “do dia para a noite, hei-lo, em nome do escândalo, escandalosamente perseguido. Ainda sem saber exactamente o que aconteceu, desperta naquela cela, vestido de estopa e tratado como escravo”. Após a prisão ficou-lhe apenas a força para escrever “A Balada da Prisão de Reading”, um manifesto contra a pena de morte e a vida no cárcere. Depois, mais nada. Esgotado, de braços caídos, restou-lhe esperar a morte que o encontrou no dia 30 de Novembro de 1900, aos 46 anos, num pequeno hotel da Rive Gauche. O seu túmulo é hoje um dos mais visitados do cemitério de Père-Lachaise, em Paris.
Raros são os homens que tombaram como ele, “de uma espécie de eternidade de glória”, a “uma espécie de eternidade de infâmia”. Ainda mais raros são aqueles que analisaram e admitiram os seus erros com uma tal sinceridade. Oscar Wilde admirava os paradoxos. O menor dos quais não será o facto de esse apóstolo da frivolidade ter de bater no fundo para produzir a sua verdadeira obra-prima, “De Profundis”, um longo monólogo de 150 páginas, que é – escreve ainda Camus – “um dos mais belos livros que nasceram do sofrimento de um homem”. Isto porque o “dandy”, descobrindo a dor, compreende que se enganou não apenas sobre a vida mas sobre a arte e, renunciando a tudo o que foi, torna-se finalmente profundo.
Extraído e adaptado de Oscar Wilde, “o Desacreditado”
:: enviado por JAM :: 11/30/2005 05:38:00 da tarde :: início ::