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sábado, novembro 05, 2005

Os guetos de Paris

Não existe nada mais redutor do que assimilar as acções colectivas que opõem os jovens dos bairros pobres dos arredores de Paris e as forças da ordem, a vulgares actos de delinquência. O conflito a que assistimos nas televisões do mundo inteiro apresenta uma dimensão protestatória ligada à apatia com que as autoridades francesas assistiram nos últimos anos à degradação dos bairros da periferia das grandes cidades.
Entre 1997 e 2001, as medidas que permitiram reduzir o desemprego não beneficiaram os jovens de menos de 25 anos pouco qualificados, cuja taxa de desemprego atingiu os 40%. Se depois de 2002 houve uma ligeira melhoria, a situação agravou-se ainda mais para os jovens dos bairros periféricos que completaram o ensino secundário e mesmo cursos superiores, fazendo deles vítimas de discriminação. Para eles, ter um nome muçulmano ou a cor da pele africana passou a ser sinónimo de último lugar nas listas dos recrutamentos.
Só no distrito de Seine-Saint-Denis, o número de desempregados passou de 80 mil em 2002 para cerca de 100 mil em 2005. A lista das cidades onde a taxa de desemprego é superior a 15% inclui Aulnay, Clichy, Montfermeil, Dugny, Le Tremblay, precisamente aquelas onde foram incendiadas viaturas às centenas nas últimas noites.
É nesse cenário de frustrações e dificuldades que se deve situar o alcance das palavras do ministro do Interior, Sarkozy, que acusa os jovens de “escumalha” e “arruaceiros” e declara que é preciso “limpar as cidades com o karcher”, palavras que transmitem mais a ideia de “limpeza étnica” do que de prevenção. O mesmo ministro fala de discriminação positiva, reclama o direito de voto para os estrangeiros nas autárquicas e lamenta os “filhos dos imigrantes que não encontram trabalho” e “que sofrem de um sentimento de exclusão”. Um estilo de linguagem ambíguo que pretende simultaneamente agradar a um eleitorado tentado pelo populismo e atrair as famílias oriundas da imigração.
Os actuais tumultos resultam pois de um divórcio profundo, de um movimento de segregação das populações originárias da imigração africana. Não deixa por isso de ser grotesca a crónica do enviado especial do Blasfémias a Aulnay-sous-Bois, a quem os jovens incendiários terão garantido não só que “la France c’est une merde”, mas também que “Chirac tem de apoiar o presidente Bush e acabar com a política cegamente proteccionista do Estado gaulês” e que, no auge das refregas com a polícia, se ouviram palavras de ordem a favor da globalização e “vives” ao comércio livre (sic)... Da mesma forma, JPP não gostou que o Telejornal da RTP tivesse tentado aprofundar as causas por detrás dos conflitos...
Victor Hugo, que por acaso era francês, dizia que abrir uma escola permitia fechar uma prisão. É evidente que é preciso firmeza por parte das autoridades para não deixar apodrecer ainda mais a situação. Mas, mais do que remediar, é preciso prevenir e apostar na educação, que não deverá omitir-se de inculcar nesses jovens o sentimento da cidadania francesa, e na formação, pois não há nada melhor do que o trabalho para se conseguir um lugar na sociedade.

:: enviado por JAM :: 11/05/2005 08:39:00 da manhã :: início ::
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