sexta-feira, outubro 27, 2006
A música e a política
Se houvesse uma eleição dos Grandes Programas da Rádio Portuguesa, eu, muito provavelmente, votaria nas Grandes Músicas, de António Cartaxo. Se alguém me dissesse que não gosta de música clássica, eu, muito provavelmente, dir-lhe-ia que nunca ouviu nenhum programa desse espantoso animador, que eu tive a satisfação de conhecer, quando ele vivia no Luxemburgo.António Cartaxo sabe, como ninguém, misturar as músicas, como um pintor mistura as cores na paleta. Por isso, resolvi deixar-vos um desses matizes, com que ontem ele pintou certo encontro entre Kouts e Stalin:
Albert Kouts tinha 35 anos quando eclode a revolução russa de 1917. Era já nessa altura um maestro famoso em toda a Europa, tendo alcançado grandes êxitos em salas de ópera alemãs, inglesas e na sua São Petersburgo natal. Fora educado em Inglaterra, mas era russo. Os acontecimentos de 1917 não contam com a sua adesão. Porém, antes de sair da União Soviética, em 1919, regeu vários concertos para os dirigentes da nova ordem. Num deles é abordado, no final, por um certo Josef Stalin, que lhe faz ver que não apreciara a música. “Não tem força política”, afirmou Stalin. Kouts retorquiu de pronto, precisamente na mesma moeda: “porque é que me diz isso? Eu jamais o acusaria de a sua política ser pouco musical” ― resposta pronta e corajosa. Sim,... porque a música de Stalin era outra!...
Não consegui encontrar nenhuma peça de Kouts, mas encontrei uma outra das tonalidades do programa de ontem, um outro compositor que, como diz Cartaxo, “jamais abandonou a URSS, que criticou e sobreviveu a todas as críticas do regime” e, como dizia Rebatet, “um alto funcionário da semicolcheia e do trombone”. De seu nome Dmitri Shostakovich.
A valsa que escolhi é, além disso, uma homenagem ao visionário Kubrick e ao seu perturbante Eyes Wide Shut.
:: enviado por JAM :: 10/27/2006 10:01:00 da manhã :: início ::
3 comentário(s):
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Cuidado com as lavagens cerebrais estéticas do mainstream...De JD, em outubro 27, 2006 2:26 da tarde
Schostakovich "sobreviveu a todas as críticas do regime"? Schostakovich abraçou o regime comunista de livre vontade, nunca saiu para o ocidente porque sempre acreditou no estado soviético. Teve momentos de discórdia com os dirigentes políticos, mas nunca deixou de apoiar o estado com o seu trabalho. A coerência estética da sua música - que não se perdeu em "modernices" abstractas e inóspitas como a restante música contemporânea europeia - deve-se muito à dedicação que votou ao seu carácter político, social e socialista. Schostakovich ajudou muito a propaganda do regime soviético, mas a qualidade e integridade estética da sua música deve-se em muito ao mesmo regime. -
João,De JAM, em outubro 27, 2006 3:50 da tarde
Dê uma saltada ao seu joao.pedro.delgado@netvisao.pt
Peço desculpa aos outros leitores (não é para criar suspense!...) mas o que neste momento me apraz responder ao comentário do João Delgado não está directamente ligado ao assunto deste post. -
Primeiro, por alegadas "razões técnicas" a TV de Timor-Leste ficou off e não passou em directo a Conferência de Imprensa do Brigadeiro-General das F-FDTL. Vinte e quatro horas depois o Timor-Online, que denunciou tão estranha avaria, bloqueou. Quem é que está a amordaçar a liberdade de expressão em Timor-Leste?De , em outubro 27, 2006 7:47 da tarde