terça-feira, janeiro 16, 2007
Norte-Sul Lisboa-Dakar
A talhe de foice, na semana passada, li, no “Metro” (um desses jornais gratuitos que circulam por aí), na coluna de Paulo Pinto (que não conheço), o seguinte “(...) Num mundo moderno, cada vez mais normalizado e asséptico, rodeado de vigilâncias e de todo o tipo de controles (...), chegar a Dakar é uma das últimas aventuras permitidas. Sózinhos por entre desertos de pedra e areia, à mercê de todas as armadilhas (...) avançam para triunfar sobre si mesmos (...)”. Temos, portanto, o Lisboa-Dakar como grande desafio, não sei até se como grande desígnio — e efectivamente, de Lisboa ao Algarve, lá vieram as massas (estou a falar de massas humanas...) para a rua para ver a passagem das máquinas e torcer pelos pilotos portugueses (que, até ao Algarve corresponderam ao incentivo). As palavras de P. Pinto serão, por conseguinte, um reflexo da mentalidade portuguesa desta época. Há aqui, evidentemente, um entusiasmo com o evento que faz P. P. delirar (se há coisa que excite os tugas, os “bólides” motorizados são certamente uma dessas coisas). Porque, pense lá bem, P. P., se tecemos estas loas a estes pilotos, o que é que havemos então de dizer dos desgraçados que fazem o percurso inverso, os emigrantes que vêm do interior de África e atravessam selvas, desertos e mares, entregues a si mesmos, sem máquinas sofisticadas nem patrocínios, para fugir à miséria e muitas vezes à morte violenta? Da Europa para o Senegal desce o Norte rico motorizado em busca de aventura numa África de postal ilustrado e forçosamente há-de cruzar-se pelo caminho, sem o notar, com o Sul andrajoso e esfomeado que busca não a aventura mas a pura e “simples” sobrevivência.
:: enviado por Manolo :: 1/16/2007 08:56:00 da tarde ::
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