quinta-feira, abril 05, 2007
Boa Páscoa...e tenham cuidado lá fora.
“É Primavera quando rebenta o primeiro ovinho de mosca, um aqui, outro ali, e, em breve, tens um esquadrão de varejeiras. (…) Nas vésperas da Páscoa, muitas moscas frequentavam as traseiras do prédio. Não sei se chegavam primeiro os cabritos, se elas (…) Uma fileira de cabritos, presos por uma corda uns aos outros , e ainda presos nas suas próprias patas com uma corda mais curta, subia a azinhaga a coxear (…) Não sei quem fazia mais barulho, se o cabrito que morria, se os que o viam morrer. De qualquer forma, à medida que o homem os degolava, o berreiro diminuía e tenho mesmo a impressão, de onde me encontrava, que os últimos ficavam tão assustados que, no final, morriam aliviados e em silêncio. Então, ouviam-se as moscas.Na Páscoa, é mais o cabrito do que o borrego – com ervilhas, sopa de miúdos com laranja, costeletas panadas -, azar dos cabritos. Fazem bé-bé, não é mé-mé, eram berros infantis que me entravam pela janela e o sangue de Cristo os alguidares de sangue que se entornavam nas papoilas e escorriam pela pedra da ribanceira.
Depois, o homem mudava de faca e estripava-lhes o fígado, pulmões, intestinos, o minúsculo coração, e agora fendia a gordura fina do bicho, dava um esticão e a pele saltava como a fronha de uma almofada.
O sobreiro servia agora para os cabritos, pendurados pelo tendão da perna, com os olhos redondos, sem pálpebras. Alguns só tinham quatro quilos e pingavam do focinho um molho vermelho e espesso que cheirava ao meio-dia, com o sol, era a cascata das moscas doidas. Elas queriam pôr o ovo na carne.(…)” in fls. 29 e 30 do livro de Rui Cardoso Martins que se chama "E se eu gostasse muito de morrer" (edição D. Quixote, ano de 2006). Só conhecia a escrita do autor da crónica "Levante-se o réu" publicada semanalmente na "Pública" (e de coisas feitas pelas Produções Fictícias, de que foi fundador) e só vou na página 45 do livro, mas já o posso recomendar.
:: enviado por Manolo :: 4/05/2007 06:29:00 da tarde :: início ::