quinta-feira, julho 19, 2007
Guerra fria televisiva
A guerra-fria decorria no cinema, na literatura, em tenebrosas histórias de espiões, nas cimeiras entre Brejnev e Nixon ou entre Reagan e Gorbatchov. Graham Greene e Frederick Forsyth escreviam belas páginas sobre a intriga que circulava à volta da inteligência organizada de Washington ou de Moscovo. O espião era um ser misterioso, anónimo, só conhecido pelos seus superiores ou pelos serviços secretos do inimigo.Ontem todos pudemos assistir em directo à conferência de imprensa que Boris Berezovsky deu em Londres. Pura espionagem televisiva. Berezovsky é um matemático que se dedicou a importar carros de luxo para a Rússia nos tempos da perestroika de Gorbatchov. Entrou para as esferas do poder de Boris Ieltsin e converteu-se num dos sete oligarcas que se tornaram bilionários quando o Kremlin privatizou as grandes empresas do Estado.
Alguns deles, como Mikail Jodorkovsky, apodrecem numa prisão da Sibéria, por ter insinuado ambições políticas à margem de Vladimir Putin. Outros, como Abramovich, residem em Londres, compram equipas de futebol e instalam-se em mansões esplendorosas. O capitalismo selvagem, sem escrúpulos e com milhares de milhões de euros disseminou um pouco por todo o Ocidente uma série de personagens conhecidas como a máfia russa.
Berezovsky disse coisas duras na conferência de imprensa de ontem. Acusou Putin de querer matá-lo por ter protegido o envenenado Litvinenko, que provocou um choque político entre Londres e Moscovo, com expulsão de diplomatas e ameaças de represálias económicas entre os dois países. Um amigo de Berezovsky, que vive na Rússia, visitou-o há umas semanas para o avisar de que Putin o quer matar. Ele disse-o à Scotland Yard que o aconselhou a ausentar-se por algum tempo do país. Ele assim fez. Agora voltou para denunciar a trama do Kremlin contra ele.
Berezovsky não deve ser um grande democrata. Em Janeiro passado disse a uma rádio de Moscovo que tinha chegado a planear um golpe de Estado para destituir Putin. E o Kremlin respondeu como nos tempos da guerra-fria. Os seus agentes assassinaram Litvinenko e agora, pelos vistos, querem fazer o mesmo a Berezovsky.
A novidade é que a luta pelo poder se oferece agora, em directo, com toda a brutalidade. Maus tempos para a literatura. A realidade supera a ficção.
Etiquetas: Grã-Bretanha, Rússia
:: enviado por JAM :: 7/19/2007 10:33:00 da tarde :: início ::