quarta-feira, setembro 26, 2007
Os pontos no y
A selecção de Rugby terminou ontem a sua participação no Mundial de Rugby com uma derrota tangencial contra a Roménia — a quem apenas ganhámos apenas uma vez e que nos derrota, normalmente, por mais de 30 pontos. Obviamente, ninguém gosta de perder mas há derrotas e derrotas. Até agora ouvi calado os (poucos) exageros eufóricos sobre as prestações da equipa portuguesa que não farão muito sentido e os comentários jocosos e/ou depreciativos de que este é apenas um exemplo. Se os primeiros são fruto de alguma falta de realismo que não faz mal a ninguém, já os segundos fazem parte de uma irritante característica bem portuguesa de demolir qualquer iniciativa que não tenha como consequência imediata sermos os melhores do Mundo. Como se colectivamente fossemos os melhores do Mundo no que quer que seja. Chegou o momento de pôr os pontos no y.
— Tirando 2 ou 3 profissionais a meio tempo, a equipa portuguesa é constituída por jogadores que têm uma profissão ou são estudantes, que treinam a partir das 8 da noite, que não recebem absolutamente nada por jogarem Rugby e que sacrificam boa parte da sua vida pessoal pelo desporto de que gostam. Os resultados alcançados neste Mundial, não sendo brilhantes, estão em consonância com a diferença de preparação e profissionalismo das equipas participantes com vantagem para Portugal que conseguiu, apesar de tudo, esconder e reduzir essas diferenças.
— No Rugby, a melhor equipa em campo ganha sempre. As características do jogo não permitem defender com 15 debaixo dos postes, anti jogo ou perdas de tempo. Joga-se da mesma maneira do primeiro ao último minuto. Estas características e as regras de pontuação (discutíveis) podem provocar resultados bastante desnivelados que nem sempre fazem justiça ao esforço relativo de cada equipa.
— Uma equipa como a portuguesa jogar contra a Nova Zelândia é o equivalente a um clube amador de basquetebol jogar contra o “Dream Team” americano. Aceitam-se apostas se o resultado passaria ou não dos 200.
— A equipa portuguesa pratica um jogo estruturado em que as técnicas básicas estão dominadas e são bem utilizadas. Pratica um Rugby atraente com prioridade à circulação de bola. Em relação aos seus adversários neste Mundial, faltou-lhes o ritmo competitivo e a preparação física que só se conseguem participando neste tipo de competições.
— Quando pago para ver um espectáculo desportivo, a única coisa que posso exigir da equipa de que sou adepto é uma entrega total e um esforço para fazer o melhor possível. Se numa representação nacional vir ainda amor pela camisola e jogadores a chorar depois de uma derrota o resultado passa a ser o menos importante.
— Com todo o respeito pelos meus amigos do futebol (desporto que adoro e que também pratiquei – bastante mal, diga-se), também poderia dizer que nunca ganharam nada internacionalmente a nível de selecções. Prefiro não ir por aí porque, apesar de tudo, acho extraordinários os resultados alcançados nos últimos anos por um país relativamente pequeno. Contudo, não consigo evitar a comparação entre a entrega de uma selecção de Rugby modesta e uma selecção de futebol constituída por vedetas, com ordenados mirabolantes, transportados em jactos privados para não se fatigarem e que consideram que num jogo de futebol só é preciso correr durante 15 minutos e que o resto se resolve à estalada no final do jogo.
— Não sei se o Rugby é de esquerda ou de direita. Isto é por modas. Lembro-me que a minha equipa — Económicas — desapareceu em 1972 quando metade da equipa foi presa pela PIDE no seguimento do assassinato de Ribeiro Santos. Com uma modesta participação minha e a ajuda - tão preciosa quanto imprescindível — de uma Associação de Estudantes conotada com o PCP, reconstituímos uma equipa no final dos anos 70. Havia de tudo: estudantes, trabalhadores, betos, queques, gente com dificuldades monetárias, MRPPs, PPDs e tudo o mais que se queira. Pagávamos para jogar (literalmente) e lavávamos os equipamentos (bom, no meu caso, mais a minha mãe). Se agora os jogadores da selecção são apontados como betos e queques, diz mais sobre o que (não) é o desporto em Portugal do que sobre os jogadores.
— Digam os seus detractores o que disserem, o Rugby é uma escola de vida: respeito pelos adversários, pelos colegas, pelo árbitro, pelo público. Não há simulações nem artimanhas. Recebe-se um golpe duro, levantamo-nos e continuamos. Não há queixas, não há lamentações, não há denúncias. Os batoteiros duram pouco no jogo. No Rugby, a batota paga-se cara onde deve ser paga: no terreno de jogo. Os jogadores mais talentosos não são vedetas. Sabem que sem o resto da equipa não durariam 5 minutos em campo. Nas escolas de Rugby não se ensina a impedir, por meios ilegais, o adversário de jogar. Nas escolas de Rugby ensina-se respeito, disciplina, espírito de sacrifício, técnica individual e colectiva. Se estes valores não estão na moda ou se são de “direita”, talvez o problema esteja na sociedade e não no Rugby.
— Por enquanto (e espero que continue) o Rugby ainda é diferente. Que outro desporto consegue encher um estádio de 40000 lugares para assistir ao jogo mais desnivelado da competição ou juntar 45000 pessoas para um encontro entre duas equipas “modestas” e sem público como são Portugal e Roménia?
— Só facto de ganharmos à Espanha de forma consistente nos últimos dez anos deveria incentivar o Governo a promover o Rugby escolar, ajudar os clubes e criar condições para que este desporto tenha o lugar que merece num país de futebol em que as cenas menos edificantes de um treinador ocupam meia hora dos telejornais.
:: enviado por U18 Team :: 9/26/2007 11:08:00 da manhã :: início ::
1 comentário(s):
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É um desporto bonito! A partir de agora será tudo diferente e os portugueses estarão mais atentos.De joshua, em setembro 26, 2007 7:07 da tarde